Posted by : cepepro segunda-feira, 25 de maio de 2015

O Congresso Nacional Brasileiro está na iminência de aprovar a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. As palavras a seguir, do jornalista André Cavalieri, procuram esclarecer o motivo pelo qual a redução da maioridade penal ser um retrocesso.

 
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por André Cavalieri


Os deputados membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovaram a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 171, de 1993, que tem por finalidade alterar a redação do Artigo 228 da Constituição Federal, que diz que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.” Em outras palavras, o Congresso Nacional Brasileiro está na iminência de aprovar a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. As palavras a seguir tentam apontar o local no qual surge a violência na sociedade, e quais seriam as formas eficazes de combatê-la.

A violência na genética

Uma parcela da sociedade acredita que distúrbios de comportamento e psicológicos são fruto de uma predeterminação genética. Segundo essa visão, os genes seriam os responsáveis por determinar se um indivíduo é pacífico ou se é violento.

Professor de biologia, neurociência e neurocirurgia da Universidade de Stanford, Robert Sapolsky lembra de um estudo que refuta esta teoria: “Existe uma técnica na qual você pode retirar um gene específico de um camundongo, de modo que ele e seus descendentes não tenham mais esse gene. Você ‘extingue’ um gene. Um grupo de cientistas descobriu a existência de um gene responsável pela codificação de uma proteína relacionada à aprendizagem e à memória e, com esta demonstração, você ‘extingue’ o gene e o seu camundongo já não conseguirá mais aprender. A comunidade científica achou incrível: ‘Oh! Uma base genética para a inteligência!’ O que era ainda mais interessante, mas que foi desprezado neste memorável estudo, é que se criássemos os camundongos geneticamente deficientes num ambiente muito mais rico e estimulante que uma gaiola comum de laboratório, eles superavam completamente essa deficiência.”

James Gilligan – psiquiatra e autor da série de livros “Violence”, que ilustra a história de seus 25 anos de trabalho no sistema prisional norte-americano – indica outro estudo, envolvendo alguns milhares de pessoas, do nascimento aos 20 anos de idade, realizado na Nova Zelândia. Segundo ele, nesse estudo, identificaram uma mutação genética que tinha relação com a predisposição à violência, mas somente se o indivíduo também tivesse sido abusado na infância. Em outras palavras, crianças com este gene anormal não estariam mais propensas que as outras a serem violentas e, de acordo com o psiquiatra, contanto que não fossem abusadas na infância, elas apresentavam um índice de violência menor que o de pessoas com genes normais.

“Se você acredita em predeterminação genética, poderia dizer: ‘não há nada que possamos fazer para mudar a predisposição que as pessoas têm em se tornar violentas. Tudo o que podemos fazer é puni-las, prendê-las ou executá-las. Não precisamos nos preocupar em mudar o ambiente ou as condições sociais que podem tornar as pessoas violentas porque isso é irrelevante’. Uma hipótese não apenas equivocada, mas perigosa”, Gilligan conclui.

A violência no ambiente


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De acordo com Gabor Maté – médico especializado no tratamento e prevenção de vícios – o desenvolvimento humano, particularmente o desenvolvimento do cérebro humano, ocorre na maior parte sob o impacto do ambiente: “Ao nos compararmos com um cavalo, que consegue correr no primeiro dia de vida, vemos que somos pouco desenvolvidos. Não conseguimos reunir tanta coordenação neurológica, equilíbrio, força muscular e acuidade visual até um ano e meio ou dois de idade. Isto porque o desenvolvimento do cérebro no cavalo, e de outros animais, acontece na segurança do útero. Já no homem, o desenvolvimento do cérebro ocorre em grande parte sob o impacto do ambiente. Nossos circuitos que recebem do meio a informação apropriada vão se desenvolver da melhor forma, e os que não recebem, ou se desenvolverão mal, ou nem mesmo se desenvolverão. Se você pegar um bebê com olhos perfeitamente funcionais e colocá-lo num quarto escuro por cinco anos, ele ficará cego pelo resto da vida, já que os circuitos da visão requerem luz para se desenvolver, e sem esta luz, até mesmo os circuitos básicos presentes e ativos no nascimento vão se atrofiar e morrer, e novos circuitos não se formarão.”

Por desenvolvermos nosso cérebro sob a influência do ambiente, temos um desenvolvimento emocional e cognitivo que varia de acordo com o que nos cerca. Daniel Siegel, professor de Psiquiatria da Universidade da Califórnia (UCLA), diz que
“Não podemos separar o funcionamento neurológico de seres humanos do ambiente onde foram criados e continuam vivendo, especialmente durante o desenvolvimento de nossos cérebros, quando estamos vulneráveis, mas também durante a fase adulta.”

O psiquiatra infantil D. W. Winnicott aponta que, essencialmente, duas coisas podem dar errado na infância, as duas podendo resultar em doenças mentais e físicas. Uma delas é quando acontece o que não deveria acontecer e a outra, quando o que deveria acontecer, não acontece. Na primeira categoria, estão as experiências traumáticas, abusivas e de abandono. Isto é o que não deveria acontecer, mas aconteceu. Mas há também a atenção paterna e materna livre de estresse, sintonizada e sem distração de que toda criança precisa mas poucas recebem. Elas não são abusadas, não são negligenciadas, nem estão traumatizadas. Mas o que deveria acontecer – a presença estimulante de pais emocionalmente dispostos – não está disponível para elas.

Segundo Maté, da mesma forma que nossos corpos precisam de nutrientes, nosso cérebro precisa de formas positivas de estímulo em todos os estágios do desenvolvimento: “Temos certas necessidades humanas. Temos necessidade de companheirismo e contato íntimo, de sermos amados, conectados e aceitos, de sermos vistos e recebidos por quem somos. Se essas necessidades são atendidas, evoluímos para pessoas compassivas, cooperativas e empáticas para com os outros. O oposto, que muitas vezes vemos em nossa sociedade, é uma distorção da natureza humana precisamente porque tão poucos têm suas necessidades atendidas. Se o que precisa acontecer, não acontece, ou o que não deveria acontecer, acontece, é evidente que a porta pode ser aberta não apenas para uma porção de doenças mentais e físicas, como também para muitos comportamentos humanos prejudiciais.”

Gilligan, que passou os últimos 40 anos trabalhando com as pessoas mais violentas produzidas pela nossa sociedade, como assassinos e estupradores, diz que uma prova disso são as enormes variações de violência em diferentes sociedades: “Há sociedades sem praticamente nenhuma violência. Há outras que destroem a si mesmas. Alguns grupos da religião anabatista são totalmente pacíficos, como os Amish, os Menonitas, os Huteritas. Entre alguns desses grupos, como nos Huteritas, não há registros de homicídio.” Por outro lado, na tentativa de compreender o que causa a violência, ele descobriu que os criminosos mais violentos nas prisões tinham eles mesmos sido vítimas de abuso: “As pessoas mais violentas que vi são sobreviventes de tentativas de assassinato contra elas mesmas, ou que viram seus familiares mais próximos serem mortos por outras pessoas.”

A violência na prisão


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Pense numa penitenciária, o local onde presos são forçosamente confinados e negados a uma variedade de liberdades como uma forma de punição. Pense nas celas, nas grades e nas cercas, pense nas paredes reforçadas, na vigilância constante e no isolamento do restante da sociedade. Pense na alimentação, na higiene e, por fim, pense na relação de submissão estabelecida entre presos e guardas.

Se o ambiente tem um impacto inegável na construção e no desenvolvimento das pessoas, é impossível acreditar que a cadeia seja capaz de corrigir um comportamento violento. Isto porque o ambiente oferecido pelas prisões tenta combater um problema com os mesmos elementos que levaram a sociedade ao problema em primeiro lugar.

Os dados apontados pelo historiador e criador do blog NegroBelchior,Douglas Belchior, confirmam este fato: “Entre 1992 e 2013, o Brasil elevou sua taxa de encarceramento (número de presos por cada 100 mil pessoas) em 317,9%. Apesar disso, o País não está mais seguro. Ao contrário, junto com o aumento da taxa de encarceramento houve um crescimento dos índices de criminalidade. O índice de homicídios, por exemplo, subiu 24% em 8 anos, conforme apontam dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.”

Segundo o palestrante e ativista do Movimento Zeitgeist, Ben McLeish, precisamos entender que “o desejo de ver os outros serem presos corresponde a mesma violência que vemos no crime. A punição que infligimos a prisioneiros é a mesma violência que afirmamos condenar ao agir desta forma. As prisões não resolvem o problema. Elas são outra fonte de violência. Elas são baseadas em uma estrutura que perpetua a violência que origina o comportamento criminal. Destratar, privar, limitar e humilhar um ser humano é a certeza para comportamentos mais violentos. O maior efeito real da prisão é, em grande parte, a piora da integridade social humana.”

A redução da maioridade penal


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Ao contrário do que se passou a acreditar, o jovem não é o grande responsável pelos crimes cometidos no país. O número real, de acordo com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), é de 0,9%, caindo para 0,5% no caso de crimes violentos. Essa mudança, portanto, não afetará 99,5% da criminalidade.

Apesar do jovem não ser o responsável pelos delitos no país, ele é o que mais sofre com a criminalidade. A jornalista Eliane Brum aponta que “O Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria. Mais de 33 mil brasileiros de 12 a 18 anos foram assassinados entre 2006 e 2012. Se as condições atuais prevalecerem, afirma a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), até 2019 outros 42 mil serão assassinados no Brasil.”

Conforme aponta Douglas Belchior, muitos de nossos direitos fundamentais, como educação, saúde e moradia, nos são negados: “O jovem marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população. A violência não será solucionada com a culpabilização e punição severas, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.”

O engenheiro social e idealizador do Projeto Vênus, Jacque Fresco pensa que, ao contrário de melhorar a vida do povo, muitas das leis penais são resultado da insuficiência da sociedade e do Estado de fornecer às pessoas o que elas precisam: “Pessoas criadas na escassez são mais propensas a roubar, não importa quantas leis e tratados sejam decretados. Os governos tentam controlar o comportamento humano sem fazer nenhuma mudança nas condições do ambiente que são responsáveis pelos comportamentos aberrantes. Não é de leis e tratados que as pessoas precisam – é de acesso às suas necessidades vitais. Se quisermos que crianças e jovens tenham uma relação positiva e construtiva entre si e se tornem membros contribuintes da sociedade, precisamos criar um ambiente capaz de produzir o comportamento desejado.”

Reduzir: a violência ou a maioridade?

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Estamos frente a uma situação na qual precisamos decidir se queremos efetivamente minimizar o crime ou perpetuá-lo. Nesse momento, as prisões são um reflexo inevitável das sociedades e Governos que negligenciam seu próprio povo. O resultado é um círculo vicioso hediondo, do qual o sofrimento e a violência são a causa e o reflexo. Se quisermos interromper esse processo, precisamos entender que – longe de ser algo natural aos seres humanos – a violência tem causa.

As punições previstas pelo atual sistema normativo, ao contrário de contribuir para a diminuição dos comportamentos aberrantes, os perpetuam. Ao trazer à tona a probabilidade da redução da maioridade penal, portanto, o Brasil vai na contramão do que é necessário para reduzirmos a violência. Temos que concentrar esforços para buscar uma sociedade que previna a violência, não que tente remediá-la.

Ao que parece, contudo, a solução apoiada pela maioria prefere ignorar tudo isso. E, enquanto poderíamos reduzir a violência, optamos por reduzir a maioridade.


Esse texto foi escrito com inspiração nas reflexões de Ben McLeishDouglas BelchiorEliane BrumFabio BrazzaJacque FrescoPaulo Freire e Peter Joseph.
As entrevistas dos doutores Gabor Maté, James Gilligan e Robert Sapolsky, citadas ao longo desse texto, podem ser encontrados, na íntegra, no filme “Zeigeist: Moving Forward”, de Peter Joseph.

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